Por que Engenharia de Produção não é Administração com CREA?
Entenda quais são as diferenças entre os dois cursos e quais são suas principais atribuições
Quem, do ramo da Engenharia de Produção, nunca ouviu a frase “Engenharia de Produção é Administração com CREA”? Essa expressão denota pouco ou nenhum conhecimento do que essas duas graduações representam em termos de atribuições profissionais e tipos de abordagem.
Essa falácia é, não apenas uma tentativa de descaracterizar a Engenharia de Produção como uma Engenharia, mas também uma maneira de depreciação indireta aos cursos de Administração, deixando transparecer que são de uma casta inferior em relação aos cursos de Engenharia.
Portanto, antes de mais nada, é importante dizer que este artigo não tem o objetivo de colocar a Engenharia de Produção em um patamar superior a Administração, mas sim de demonstrar as diferenças entre as duas profissões, principalmente sob o olhar do Engenheiro de Produção.
Primeiramente, vamos entender, em termos de definição, o que é cada uma dessas profissões.
DEFINIÇÃO
O site Guia do Estudante define a profissão do Administrador da seguinte forma: “O Administrador gerencia recursos financeiros, materiais ou humanos de uma empresa. Ele tem lugar em praticamente todos os departamentos de uma organização pública, privada ou sem fins lucrativos. É sua função definir estratégias e gerenciar o dia a dia da organização, traçando metas, criando políticas internas, realizando auditorias e analisando resultados.”
Já em relação a Engenharia de Produção, uma das melhores definições pode ser encontrada no livro ‘Introdução à Engenharia de Produção‘, da coleção Campus-ABEPRO, que é uma parceria entre a Editora Campus-Elsevier e a ABEPRO (Associação Brasileira de Engenharia de Produção). Ela diz o seguinte:
“A Engenharia de Produção trata do projeto, aperfeiçoamento e implantação de sistemas integrados de pessoas, materiais, informações, equipamentos e energia, para a produção de bens e serviços, de maneira econômica, respeitando os preceitos éticos e culturais. Tem como base os conhecimentos específicos e as habilidades associadas às ciências físicas, matemáticas e sociais, assim como aos princípios e métodos de análise da engenharia de projeto para especificar, predizer e avaliar os resultados obtidos por tais sistemas.”
De fato, as duas profissões possuem algumas convergências, como o trato com os mais variados recursos de uma empresa e a importância do tratamento econômico nos processos organizacionais. Mas já na definição é possível traçar algumas diferenças.
Uma delas é a importância da Produção. Enquanto este termo não aparece nenhuma vez na definição do Administrador, ele é a figura central da Engenharia de Produção, como o próprio nome da profissão remete. Isso se dá porque a Administração traz uma abordagem mais ampla que a produção de bens e serviços, se aprofundando mais em teorias organizacionais.
Porém, é importante frisar que a Produção também é abordada na Administração, mesmo não sendo seu principal objeto de estudo. Uma subárea da Administração que pode ser convergência com a Engenharia de Produção é a Administração da Produção, que tem como um de seus expoentes o renomado autor Nigel Slack (Graduado em Engenharia e Doutor em Administração). Sua obra mais difundida é o livro ‘Administração da Produção‘, escrito em coautoria com outros dois especialistas da área, Alistair Brandon-Jones e Robert Johnston.
Outro ponto na definição das profissões é a importância do Projeto. Novamente este termo não aparece na definição do Administrador, mas é o primeiro e o último ponto abordado na definição da Engenharia de Produção. Projeto é algo que, basicamente, tem início, meio e fim. Sendo assim, quando se diz que um Engenheiro é um ‘resolvedor’ de problemas, ele nada mais está fazendo que desenvolvendo projetos no dia a dia, seja na melhoria de um processo, na implantação de um novo sistema ou no restabelecimento de um fluxo interrompido por um problema específico.
GRADE CURRICULAR
A Engenharia de Produção, se comparada com Engenharia Civil, Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica, por exemplo, é mais abrangente e menos técnica. Porém, se comparada a Administração, ela tem um traço técnico na área de Exatas que essa última não tem, já que traz mais aspectos de Humanas. Isso é denotado nas grades curriculares, já que disciplinas de Cálculo, Física e Química não são abordadas em cursos de Administração.
Como na Engenharia de Produção o entendimento dos processos produtivos é fundamental, o funcionamento dos maios variados tipos é abordado em diversos momentos.
Existem disciplinas específicas para Processos de Fabricação Mecânicos (que introduzem Soldagem, Usinagem, Conformação, Fundição, entre outros) e para Processos de Fabricação Químicos (disponíveis em indústrias Químicas, Petroquímicas, Mineradoras, Agroindústria etc.). Também existem disciplinas de Automação e Controle, que abordam alguns conceitos de eletromecânica.
Além disso, as próprias disciplinas básicas de Engenharia, como Mecânica das Estruturas e Resistência dos Materiais trazem aspectos básicos de Mecânica e Civil. Enquanto isso, Mecânica dos Fluidos e Fenômenos de Transporte, além de abordarem conceitos de Mecânica e Civil, possuem aspectos que remetem a Química. Desenho Técnico também é outra disciplina básica de Engenharia e que norteia o Engenheiro de Produção em Projetos de Produtos e Projetos de Instalações Industriais.
Quase nada disso é apresentado em cursos de Administração, que têm seu enfoque maior no âmbito da Gestão e estuda questões pouco ou nada exploradas na Engenharia de Produção, como Teorias Organizacionais, Departamento de Recursos Humanos, Contabilidade, além da parte Comercial, como Marketing e Vendas.
Outro ponto importante de ser frisado é a importância de Estatística e Cálculo Numérico como base para as disciplinas específicas da Engenharia de Produção. Planejamento e Controle da Produção (PCP), Controle Estatístico do Processo (CEP) e Pesquisa Operacional (PO) são profundamente estudadas em Engenharia de Produção, enquanto que na Administração são apresentadas de maneira superficial.
A Engenharia do Trabalho é outro tema pouco explorado na Administração, enquanto que na Engenharia de Produção ela é uma das suas 10 áreas de atuação. Ela busca estudar a relação homem-máquina no ambiente organizacional, levando em conta aspectos de Engenharia de Métodos, Ergonomia e Segurança do Trabalho.
Se você tem interesse em entender mais detalhadamente o que é a Engenharia de Produção e quais são suas 10 áreas do conhecimento, veja este vídeo:
Tudo isso denota o quanto a atuação do Engenheiro de Produção é mais metódica, baseada na solução de problemas através de modelos matemáticos, buscando sempre mensurar variáveis e otimizar a produção. O Administrador, por sua vez, lida mais corriqueiramente com questões menos tangíveis.
A REGULAMENTAÇÃO NO SISTEMA CONFEA/CREA
Sobre a regulamentação, antes de mais nada é preciso entender o contexto histórico em que a Engenharia de Produção está inserida no sistema CONFEA/CREA.
Uma das regulamentações mais importantes deste sistema é a Resolução Nº 218, de 1973, que discrimina as atividades das diferentes modalidades profissionais da Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Porém, a Engenharia de Produção não está estre as áreas apresentadas.
Só mais tarde, com a evolução dos cursos de Engenharia de Produção nas principais universidades do país, como USP e UFSCar, por exemplo, ela veio a ser tipificada na Resolução Nº 235, de 1975. O seu artigo 1º diz que compete ao Engenheiro de Produção o desempenho das atividades 01 a 18 do artigo 1º da Resolução Nº 218 referentes aos procedimentos na fabricação industrial, aos métodos e sequências de produção industrial em geral e ao produto industrializado, seus serviços afins e correlatos.
As 18 atividades citadas são as seguintes:
- Supervisão, coordenação e orientação técnica;
- Estudo, planejamento, projeto e especificação;
- Estudo de viabilidade técnico-econômica;
- Assistência, assessoria e consultoria;
- Direção de obra e serviço técnico;
- Vistoria, perícia, avaliação, arbitramento, laudo e parecer técnico;
- Desempenho de cargo e função técnica;
- Ensino, pesquisa, análise, experimentação, ensaio e divulgação técnica; extensão;
- Elaboração de orçamento;
- Padronização, mensuração e controle de qualidade;
- Execução de obra e serviço técnico;
- Fiscalização de obra e serviço técnico;
- Produção técnica e especializada;
- Condução de trabalho técnico;
- Condução de equipe de instalação, montagem, operação, reparo ou manutenção;
- Execução de instalação, montagem e reparo;
- Operação e manutenção de equipamento e instalação;
- Execução de desenho técnico.
Já no artigo 2º da Resolução Nº 235 se aplicam as disposições constantes no artigo 25º e seu parágrafo único da Resolução Nº 218. Estas disposições apontam, principalmente, que nenhum profissional poderá desempenhar atividades além daquelas que lhe competem, pelas características de seu currículo escolar.
Já o artigo 3º da Resolução Nº 235 classifica os Engenheiros de Produção como integrantes do grupo ou categoria de Engenharia na modalidade Industrial, prevista no artigo 6º da Resolução Nº 232, de 1975.
Este artigo nos coloca classificados juntamente com Engenheiros Aeronáuticos, Mecânicos, de Automóveis, de Armamento, Industriais, Metalurgistas, de Minas, Navais, de Petróleo, Químicos, Tecnólogos de Alimentos e Têxteis.
Mas então, em relação a responsabilidade técnica, que tipo de projetos o Engenheiro de Produção assinar?
Primeiramente é preciso ressaltar que a Resolução Nº 1073, de 2014, derrubou as atribuições baseadas no título profissional. A partir desta resolução, as atribuições passaram a ser conferidas com base no currículo de formação.
Então, a princípio, uma estrutura curricular padrão dos cursos de Engenharia de Produção permitem a esse profissional assumir a responsabilidade técnica no que diz respeito a procedimentos na fabricação industrial, aos métodos e sequências de produção industrial em geral e ao produto industrializado, seus serviços afins e correlatos.
Em termos práticos, isso significa que um Engenheiro de Produção pode ser responsável técnico em, por exemplo, projetos de layout industrial e projetos de produtos, ou qualquer outra atividade que se encaixe na descrição acima em negrito.
Mas e se for um produto de caráter químico, como os produtos farmacêuticos? É neste ponto, principalmente, que as resoluções geram discussão. A princípio, para este tipo de produto, só podem ser responsáveis técnicos os Engenheiros Químicos, mas, dependendo da estrutura curricular os Engenheiros de Produção Química também.
O mesmo serve para assinar projetos de estruturas metálicas que fazem parte de um layout industrial. A princípio, podem ser assinados por Engenheiros Mecânicos e Engenheiros Civis. Mas também, a depender da estrutura curricular, um Engenheiro de Produção Mecânica ou Engenheiro de Produção Civil também pode se responsabilizar tecnicamente.
Outra relação, neste sentido, é a do Engenheiro Eletricista com o Engenheiro de Produção Elétrica. Este segundo pode assinar projetos de instalações elétricas também, caso sua estrutura curricular lhe dê essa competência.
O mais importante de toda essa discussão é que, antes de ingressar em curso A ou B, caso seja do interesse assinar determinados projetos futuramente, deve-se pesquisar sobre quais atribuições são oferecidas pela estrutura curricular do curso desejado. Tudo isso porque as atribuições profissionais dependem desse conjunto de disciplinas ao qual se está inserido durante a graduação.
Além disso, mesmo durante uma graduação que não oferece determinada atribuição, é possível buscar em outros cursos esse conjunto de disciplinas para adquirir essa atribuição. Por exemplo: O curso de Engenharia de Produção Plena não atribui a competência de projetar estruturas na construção civil. Caso seja do interesse do aluno, é possível cursar as disciplinas que dão essa atribuição isoladamente, como núcleo livre. Assim, quando formado, haverá em seu histórico a validação dessa competência.
Neste sentido, é possível encontrar profissionais com o mesmo título e que possuem atribuições diferentes, a depender do histórico acadêmico de cada um. Por exemplo, dois Engenheiros de Produção, um deles podendo assinar projetos de estruturas metálicas e o outro de instalações elétricas.
Mas por que todo este desgaste extra para adicionar atribuições? Depende do interesse do profissional. A Engenharia de Produção Plena é mais genérica e explora mais a fundo os métodos de melhoria dos processos, enquanto os cursos de Engenharia de Produção com ênfase em Mecânica, Civil, Elétrica, ou outra, inserem estes métodos em uma área específica.
Se você deseja entender um pouco melhor sobre os cursos de Engenharia de Produção com ênfase, veja este vídeo:
Por fim, toda essa discussão sobre a comparação entre Engenharia de Produção e Administração recai na seguinte questão: um Administrador não pode ser responsável técnico nas atribuições de Engenharia, sequer pode anexar atribuições ao longo de sua graduação em Administração, pois ele não está inserido no sistema CONFEA/CREA.
Os profissionais de Administração têm o CRA (Conselho Regional de Administração) que possui suas Resoluções específicas para suas áreas de atuação.
CONCLUSÃO
O que podemos concluir, com toda essa discussão, é que cada curso tem uma abordagem diferente. Enquanto a Engenharia de Produção, mais inserida na área de Exatas, lida com a racionalização dos processos, principalmente no âmbito da produção de bens ou serviços, a Administração, mais inserida na área de Humanas, trata as organizações de uma forma mais ampla.
É inegável que há algumas semelhanças, porém, as próprias definições de cada curso têm enfoques diferentes e as estruturas curriculares se aprofundam em conceitos diferentes.
Além disso, cada uma dessas profissões tem suas regulamentações específicas. Enquanto a Engenharia de Produção é regida pelo sistema CONFEA/CREA, o profissional de Administração é regido pelo CRA, que possui preocupações completamente distintas.
Este post é uma parceria com a página Engenharia de Produção